O Bastardo: Pretos de Griffe: Casa Triângulo, São Paulo, Brasil

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Apresentação

O Bastardo: Pretos dxe Griffe

por Carollina Lauriano

 

Pouco conhecida pelo grande público até tempos atrás, a palavra "empoderamento" ganhou força no debate político até se tornar o termo mais buscado no dicionário Aurélio, em 2016. Desde então, já teve seu significado esvaziado e afastado do seu conceito original, mas ainda é fundamental para a discussão das afirmações étnico-raciais e de gênero, pois debate mudanças nas relações de poder das ditas minorias. A palavra, criada pelo educador Paulo Freire a partir do termo inglês empowerment, embute a ideia de minimizar os efeitos da opressão, podendo dizer então que Freire criou um significado especial para a palavra empoderamento no contexto da filosofia e da educação, não sendo um movimento que ocorre de fora para dentro, como o termo em inglês, mas sim por um processo interno, pelas conquistas e avanços sociais por parte daquele que se empodera.

 

É essa a discussão que centra a série Pretos de Griffe, que também dá nome à primeira individual de O Bastardo na Casa Triângulo. Suas pinturas retratam uma série de figuras negras que alcançaram um lugar não só de destaque, mas também de poder, em suas áreas de atuação, como Kanye West e Mano Brown. Os dois expoentes da indústria da música e do entretenimento são um ponto de partida para Bastardo retratar também figuras desconhecidas do grande público, e que para o artista representam uma influência importante em suas redes de relacionamentos, estabelecendo assim, uma postura que simboliza a ideia geral em torno da exposição, com a proposta de expandir a noção da “grife” para além do seu sentido literal, ora tido como ostentação - especialmente quando esse conceito está atrelado "às minorias".

 

Aqui, o artista retrata tais personagens de forma livre, mas sempre imputando um lugar de lifestyle a elas, como cabelos coloridos ou descoloridos e roupas descoladas que chamam atenção por seu tom neon. Enquanto as pinturas maiores trazem um plano mais aberto dos lugares de inserção dos retratados, as menores evidenciam mais os traços de empoderamento exaltados pelo artista, que misturam relações de poder e influência com ascensão financeira, temas que impactam as vidas da população negra direta e cotidianamente.

 

Dessa forma, o artista joga luz sobre a necessidade de rever o papel do negro na sociedade, reivindicando um lugar de existência para esses corpos não mais oriundos de violências e traumas históricos, mas agora sob uma perspectiva de liberdade. Com isso, as pinturas inéditas preparadas para a exposição buscam normalizar o sucesso de pessoas negras por meio de suas conquistas. Não obstante, os retratos criados pelo artista evidenciam códigos que colocam tal grupo identitário em lugares os quais sempre estiveram ausentes das narrativas.

 

Com uma pintura de gesto rápido e que valoriza e evidencia o processo do desenho diretamente na tela, em relação ao acabamento final da pintura, O Bastardo coloca em perspectiva a própria inquietude de uma nova geração de artistas racializados que se formam e têm urgência nos processos de justiça e reparação histórica. Essa inversão de sentido na sua pintura também pode ser relacionada a um desejo de repensar a própria fatura do objeto em ser menos acadêmica e eurocentrada, e mais "marginal", afinal o próprio grafite, assim como outras manifestações da cultura negra que sempre foram rebaixadas em relação a uma noção de alta cultura dominante.

 

Entre questões da própria história da arte, ou de políticas sociais, O Bastardo nos aponta a necessidade da urgência do revisionismo histórico para que cada vez mais a população negra acredite que é possível ser aquilo que sempre desejou: livre para gozar a vida em sua plenitude.