ASSUME VIVID ASTRO FOCUS . AMARELO VENTO AZUL FLORAL (AS CORES SE ACUMULAM EM SUA ATMOSFERA TECENDO LUZES)

Installation Views
Apresentação

amarelo vento azul floral

(as cores se acumulam em sua atmosfera tecendo luzes)

 

amarelo vento azul floral é um portal através do qual vivenciar contrastes, adentrar abismos cromáticos e desvendar por si uma relação íntima com mais de trinta exuberantes pinturas. Cores e formas extraídas de uma padronagem desenvolvida originalmente em 2008 pelo coletivo assume vivid astro focus (avaf), para uma máscara usada em uma instalação imersiva em Roma, foram remixadas no computador até resultarem em desenhos digitais independentes para as obras da exposição, pintadas entre 2022 e 2023 com tinta acrílica sobre chapa duplex de papel kraft ondulado.

 

Cor é um assunto que há séculos estimula debates, questionamentos, teorias, experimentos e pesquisas dos mais variados no campo da arte, mas também no da ciência, da sociologia e da filosofia, dentre tantas outras disciplinas. Para avaf, ao longo de vinte anos, a cor tem sido um elemento fundamental na elaboração de experiências artísticas. O coletivo ficou conhecido por criar instalações imersivas, onde a abundância pauta vivências Dionisíacas. Nessas instalações multimídia coexistem vídeos, tapeçarias, papéis de parede, neons, performances e música, e os espaços são revestidos com padronagens saturadas com uma pluralidade de imagens, cores e formas que dialogam com culturas contemporâneas, Queer e política. A intensão primordial dos projetos avaf é a criação de um Gesamtkunstwerk (“obra total de arte”), onde o espectador se torna um com a obra e a cor é sempre um instrumento de engajamento e comunicação nos trabalhos. Sem desvirtuar desta origem, há cinco anos avaf começou a explorar mais especificamente os caminhos de relações entre pessoas e pinturas.

 

A princípio as pinturas em amarelo vento azul floral parecem ser propostas mais controladas de imersão sensorial do que as instalações, mas a sua potência reside justamente em dicotomias, nos jogos entre sensação e contemplação, expansão e constrição, absorção e refração; liso e texturizado, tinta e pixel, manual e digital, preciso e aleatório, Apolíneo e Dionisíaco.

 

Embora todas as pinturas nasçam da mesma padronagem digital, ao longo do processo criativo cada uma se torna um microcosmo pictórico próprio. As tintas avaf são misturadas manualmente a fim de atingir a vibração das cores digitais usadas nos desenhos para as pinturas feitos no computador. Tendo como referência cores digitais que são atravessadas pela luz da tela, hoje, a paleta de tintas avaf abrange mais de 1200 tons e a cada trabalho novas formulações surgem. A busca por atingir tons de luminosidade digital na tinta busca dialogar com a relação diária que as pessoas têm hoje com as cores nas telas de seus dispositivos digitais. Essa relação entre a luminosidade e a superfície da cor digital e a material emerge em instâncias de tensão nas pinturas.

 

 Nas formas predominantemente orgânicas, remanescentes ocasionalmente de corpos, genitália, objetos, animais e plantas enunciados em títulos, há uma obsessão por bordas nítidas. As áreas delineadas de cor não contaminam umas às outras. Os tons de tinta são propositalmente foscos, na intenção de concentrar a experiência das cores sem nenhum intermediário (acabamento com brilho, vidro). Sem “obstáculos” entre o corpo do espectador e a cor, os diversos tons contrastantes estão livres para transbordar os limites pictóricos, embora contidos pelos contornos de suas formas. Borrões e manchas aparecem dentro de áreas de cor perfeitamente blocadas e revelam camadas inferiores mais vibrantes, como se essas estivessem buscando caminhos de erupção, conforme reiterado em Pássaro Floral.

 

Além desses momentos em que as pinceladas se manifestam, o uso de superfícies corrugadas do papel kraft duplo em justaposição às suas faces lisas também contribui às dicotomias da cadência pictórica. O encontro entre esses elementos vertiginosamente converge em Divina e Minha Obsessão. Já na monumental Sereia De Ombreiras, a escala pede recuo do corpo, enquanto as relações cromáticas e formais cativam a aproximação. As tensões no campo pictórico se reforçam em obras nas quais as formas extrapolam os supostos limites angulares da pintura e se manifestam recortadas. Ao negar uma interrupção retilínea da superfície, essas formas passam a não fazer apenas parte da composição, elas também expandem a superfície pictórica no espaço, a exemplo do oval rosa na lateral de Torneira De Letrinhas, os volumes ao topo de Peito Pinto Saco Pássaro e a irradiação de formas em Cabeçudinha.

 

As molduras também inquietam. Ao contornar as obras existe a expectativa da madeira enclausurá-las, mas ela se faz valer de um papel mais escultórico, especialmente nas pinturas em que segue o contorno das formas recortadas, e o amarelo flúor que irradia parece elevar as pinturas do fundo, reforçando o jogo entre constrição e expansão. O espaço, por sua vez, também não é passivo, porém, tampouco é estabelecida uma relação em que ele retroalimenta ou contamina as pinturas. Na sala principal, os nichos criados a partir de estruturas de sarrafos e chapas coloridas estimulam mais proximidade corporal com as pinturas e em nada previnem que esses encontros íntimos sejam abismais. No espírito de criar uma obra de arte total, embora as cores estejam ancoradas em suas formas, a proximidade acentua a intenção de que a energia das cores transborde no espectador.

 

Assim como um usuário de dispositivos digitais vivencia a vertigem de navegar entre janelas, cores e formas atravessadas pela luminosidade de pixels e recortes de telas sem que seu corpo seja fisicamente impulsionado adentro, atravessar o portal de amarelo vento azul floral é viver uma experiência sensorial Apolínea atravessada pela luminosidade extasiante das cores da tinta, sem abrir mão de possíveis efeitos Dionisíacos.

 

Camila Belchior